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  • Foto do escritorAlexandre Tatsuya Iida

Pó de Karasumi


Depois do serviço num domingo tão corrido que foi na cozinha e, antes de chegar em casa, paramos o carro na esquina num boteco que poderia ser interditado de tão caído que era. Mas tinha um frango à passarinho maravilhoso e cerveja muito gelada. Sou desses. Vou atrás de comida e não de fama.


E sempre falamos de tudo e de todos. E de 1 hora e meia de papo, dois terços sempre é um sermão. Que eu preciso fazer isso e aquilo, que sou um bosta. Ah isso, já me acostumei. Nunca faço nada certo para ele. Mas tudo bem.


Nesta tarde, quando a gente falava sobre a nova safra de ovas de tainha, que a pele estava tão frágil e ficava estourando fácil e que tudo viraria pó.


No que falei isso, Seo Iida com o copo de cerveja na mão, deu uma risada e:


“Sabe aquele Furikake de Karasumi que a gente bota no gohan do Bentô? Que todo mundo gosta? Você sabe quem inventou no Brasil? Vou te contar como foi.”


E pedi outra garrafa e mais uma porção de frango. Lá vem história.


“Você sabe que não gosto de ficar atendendo gente, né? Mas um dia lá pelas 2 da tarde, todo mundo tava ocupado e eu ia subir para o escritório. Nisso vem um jovem cozinheiro e ficava olhando os Karasumis embalados para presente. Tinha certeza que não compraria.


Daí, ele me chamou e começou a fazer um monte de perguntas. Minha irritação crescia conforme ele perguntava sobre o tempero. Resumi Dizendo que eu podia ficar horas falando, mas era melhor experimentar um.”


Eu: “E você deu um pedaço para ele experimentar?”


Rimos e tomei bronca. Nessa época não existia a cortesia de pedaço menores para degustação.


“Deixa eu continuar. Então ele escolheu um bem grande e mais claro. Huumm ele tá fazendo perguntas, mas sabe escolher. Deve ser cozinheiro. Pensei. Ele pagou e abriu lá em cima da vitrine da geladeira e quebrou pela junção. Pegou com a mão e sentiu o pó das ovas de tainha."


Então ele: “Sou cozinheiro e trabalho num restaurante no Rio de Janeiro. Gostaria de comprar o Karasumi do senhor para fazer Furikake e polvilhar em cima do gohan, da refeição de bordo da Varig.”


Seo Iida disse: “Varig? Por que não a JAL (Japan Airlines)? - torcendo o nariz, sendo que seu próprio filho um dia iria trabalhar na Varig. Ah, os japoneses.


Ele explica: “Sim. Mesmo que seja uma companhia aérea brasileira, quero oferecer uma refeição mais caprichada que a própria empresa japonesa. E sei que gohan é a alma do Washoku, senhor.”


Meu pai olhando para mim:


“Sabe, um verdadeiro cozinheiro japonês, precisa ter um bom Gohan e Missoshiru. E esse jovem teimoso é um rapaz de ouro. E diferente de muitos japoneses que cozinham que não dão muita bola para os brasileiros, esse rapaz introduziu o Omakasse, para quem não conhece a culinária japonesa, pudesse experimentar um pouco de cada. Saber que nós comemos só peixe cru. Ele se especializou na cozinha quente.”


Eu: “Que história bacana, já sou fã dele. Só que você ainda não disse o nome dele.


Seo Iida: “É o Haraguchi. Sempre lembre desse nome, porque não vai aparecer em jornais. Ele detesta aparecer. E tá certo. Cozinheiro é um prestador de serviço. Oferecer bons ingredientes, bom atendimento e preservar a cultura? Não tá fazendo mais que a obrigação”


Eu: “Mas você roubou a ideia dele do Furikake?”


Ele: “Foi essa condição para começar a vender para ele.”


Eu: “Que danado é o senhor, não? Bora pra casa?”


É senhoras e senhores. Mestre Haraguchi se foi. Deve estar agora com o meu pai enchendo a cara comendo frango à passarinho com Oniguiri com Pó de Karasumi.


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