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Foto do escritorAlexandre Tatsuya Iida

Para ser um bom Sushi Shokunin

Atualizado: 31 de jul. de 2023


Na última viagem que fiz ao Japão, fui num Sushiyá e fiquei de papo com um velho Sushi Shokunin depois do expediente. Simpático e muito tímido, mal deixou tirar uma foto sua e nem divulgar onde é o endereço. Ele disse que gostou algo em mim e disse para esperar no meu lugar por uns 50 min que sentaria comigo para conversar.


Então ele deu a volta com uma garrafa de destilado de batata-doce e um balde de gelo. E com a mão mesmo, pega as pedras de gelo e me serve HAHAHAHAHAH


Primeiro ele me perguntou se eu era da cozinha. Disse que já fui, mas estou em outro setor do Washoku. O Sake. Ele se espantou, mas disse que tinha a sensibilidade de observar pontos que leigos não olham.

Ficamos ali nos conhecendo e aí não me contive e queria perguntar coisas do sushi. Sei que opinião de famosos cozinheiros e entrevistas de grandes jornalistas são legais. Mas chega uma hora que todas as histórias parecem iguais. Parece um padrão. Enfim:

“Taishô (título que usei em consideração ao cargo de chefe e já com uma certa intimidade), lá no Brasil, muitos perguntam o que um bom Sushi Shokunin (sushiman) precisa ter antes de tudo?”

E ele: “Ter bons olhos para os clientes, suas reações e escolher os peixes. Boa lábia para entreter os clientes e negociar brigando com os fornecedores. Uma boa sensibilidade com o SHARI しゃり e os cortes de cada peixe. Gratidão aos ingredientes. Acho que é isso.”

Eu curioso retruquei: “Só isso? - irônico - "Mas Sensei, técnicas de cortes, adquirir boas facas e ingredientes não são importantes? É aquele dilema. Técnica ou alma."

Ele: “Isso é pensamento do ocidente. Cortar peixe, com treino, uma hora qualquer um consegue fazer. Escolher bons ingredientes e ferramentas é uma obrigação e não um diferencial. Tudo que o dinheiro compra, o homem precisa lapidar. Qualquer bom ingrediente ou material que você dá para um inexperiente, morre tudo.”

Eu: “Faz sentido.

Ele continua: “Você oferece um torô, um pargo. Mas o mérito do sabor é de quem? Seu? Você produziu o wasabi? Fabricou o shôyu? Shokunin, pega tudo, combina e entrega. Claro, que essa combinação não é fácil, mas um dia qualquer um aprende.

Sabe o que faço aqui? De acordo com o peixe, uso Shôyus diferentes. Ora uso, o comum, ora o Nikiri. E o Nikiri tenho 3 tipos de acordo com a densidade. E para cada pote, até o pincel muda.

Eu: "Eu sempre quis saber as diferenças entre eles."

Ele: "Ô (fulano), pega um prato longo e pinga cada molho aqui" - pediu ao seus assistente no TUSKEBÁ つけ場.

Eu: "Olha que legal. Dentro do pote e pela distância não dá para reparar. Mas assim numa régua. dá para ver que um é mais cremosos e esse da ponta é mais líquido."

Ele: "Sim. De acordo com cada peixe, corte, espessura e a textura uso um diferente. Carne mais magra, pego um mais grosso e picante. Sim coloco um pouco de pimenta Shishitô e quebra o dulçor do Shôyu."

Eu: "Legal! Usei a pimenta para conservar os potes de Yuzu que tinha na minha cozinha. Mas mesmo essa leve picância não atrapalha o Wasabi?"

Ele: "Pois é. Esse é um ponto bem delicado. Itamaes estrangeiros já me perguntaram onde conseguir HON WASABI 本わさび para levar para o país deles. Sempre digo que é difícil, mas para você vou dizer a verdade. Nem todo niguiris você coloca wasabi. Já começa por aí. Alguns peixes brancos você troca pela folha de Shissô. Tatakis, jamais por causa do gengibre. Anago, Unagui, nem precisa dizer.

Eu: "Lá no Brasil é um sucesso. Pagam caro para ter o Wasabi fresco."

Ele: "Não é tudo isso. É que no ocidente chama a atenção e colocam a raiz em todos os sushis, como se fosse um brinquedo novo. Imagina se um dia surgir um Shôyu que custa 1000 dólares o litro? Quebraria a casa."

Eu: “É verdade Sensei. Ainda mais que o brasileiro faz uma piscina no restaurante. Eu percebi que o senhor usa dois KAMAs 窯 de arroz. São temperos diferentes?”

Ele: “Reparou, né? As duas panelas têm temperaturas diferentes. Um está próximo de 36ºC e com mais vinagre. Uso para o atum e peixes gordos, camarão, por exemplo. Assim consigo destacar o aroma do peixe, sabor e gordura. No camarão realço o dulçor do crustáceo.

Já o outro que está a 30ºC, deixo para Akagai e Uni. Um arroz quente, não seguro o odor de peixe e o ouriço, desmancha com o calor.”


Eu: “Caramba! Mas por causa da dosagem do vinagre, nem dá para aproveitar o mais quente quando esfriar, não?”

Ele: “Sim. Por isso preciso calcular bem a quantidade dos meus NETAs ネタ. Vou pedir para cortar um pedaço de Tako pra gente. Harmoniza com esse Shochu.”

Eu: “O senhor entende de bebidas também?”

Ele: “É claro. Qualquer produto que eu vendo preciso saber. Isso é óbvio. Posso até contratar alguém estudado, mas o mínimo eu preciso saber.

Eu: “Como foi o seu aprendizado lá no começo da carreira?”

Ele: “Um inferno. Não tinha escolas de culinária como hoje e não tinha outro jeito de aprender além de estar aqui na cozinha. E por 5 anos, morei na casa do meu chefe. Lavei, passei roupa, arrumava a casa, fazia compras, jogava lixo, ia comprar cerveja e cigarro no meio da noite. Mas não pagava aluguel, alimentação e ganhava mesada.”

Eu: “Um verdadeiro SHUGYÔ 修行 = “Aprender e caminhar”. Mas hoje em dia está mais difícil esse método, não?”

Ele: “Nem tanto. Ainda tem alojamento de cozinheiros e de outros artesãos. Mas foi importante pra mim. Se por 1 segundo você imaginar que você está sendo explorado, perde todo o valor. Pelo contrário, você espera pacientemente por uma oportunidade de aprendizado que vem quando o chefe está de bom humor ou animado.

Eu: “É como a parceria entre detetives e policiais."

Ele: “Exatamente!! Como é bom conversar com alguém que pega rápido as coisas. Isso mesmo, uma vez estava tentando acertar um missoshiru e não conseguia acertar a textura do konbu. Tinha de pegar a alga ainda pelando de quente e verificar com os dedos. Esperava ficar um pouco mais frio para checar. Então ele veio do meu lado, pegou o konbu e meteu o dedo.”

Eu: “Caramba!! Que louco”

Ele: “Então vem a bronca de brinde - Nosso cérebro demora 3 segundos para sentir dor. 1 segundo para tocar na alga e 2 para levar os dedos para o lóbulo da orelha, que não tem tanta sensibilidade.”


Eu: “AHHHHHHH ENTENDI!! Vejo em muitos dramas e animes, os japoneses quando tocam em algo quente, levam os dedos para a orelha.”

Ele: “Isso mesmo! E eu até hoje tenho esse costume. Daí eu fazia o almoço aqui no restaurante. Nossa, ele gritava comigo, dava tanta bronca, se eu contasse estaria demitido umas 20 vezes. Mas no final do ano, ele me servia um copo de sake, abria um sorriso e falava - “Tenho muito orgulho de você. Obrigado por aturar”.

Eu: “Nossa, deve ter sido emocionante, né?”

Ele: “Sim. dava vontade de chorar, mas em 5 minutos acaba e volta tudo ao normal. HAHAHAHAHA”

Eu: “Quantos anos o senhor fez o SHUGYÔ?”

Ele: “Uns 13 anos. 4 anos na limpeza e fazendo entrega, 3 anos cozinhando arroz e depois finalmente toquei na sardinha.”

Eu: “Quanto é o tempo mínimo para aprender a manusear os pescados no Japão?”

Ele: “Tudo no Japão demora, pela infinidade de peixes e frutos do mar que tem por aqui. E se deparar com cada ao longo do ano, sendo que alguns você só tem 1 semana para trabalhar, uns 5 anos é o ideal. Claro que tem os importados e congelados. Bom para aprender a abrir e limpar.”

Eu: “O senhor tirou a licença para trabalhar com FUGU 鮐 = “Baiacu”?

Ele: “Tirei porque eu queria. Meu chefe disse que não precisava. Mas fui lá e ele me ensinou. Mas quase quis bater nele sem saber?”

Eu: “Como assim?!”

Ele: “HAHAHAHAHA depois de ficar treinando a abertura do Baiacu por 3 dias, ele me trouxe um todo destruído, pele aberta, vísceras soltas, quase tudo fora do lugar. Sei do rigor deste trabalho, mas nitidamente era uma provocação. E até briguei. Ele disse - “Não fui eu que fiz isso. Um biólogo vai saber o que é o que na hora de separar.”

Eu: “Vi muitos vídeos do exame para tirar a licença. É naquele esquema mesmo?”

Ele: “Sim. O examinador entrega o baiacu na sua frente, você abre ele e começa a limpar. Depois separa todos os órgãos e coloca as plaquinhas com os nomes de cada um. E certifica que você tirou toda a toxina e inclusive todo o sangue. Tudo isso em 20 minutos”

Eu: “Então nitidamente seu chefe quis te sacanear, né?”

Ele: “Pois é. Olha como é a vida. Ela não te entrega tudo de mão beijada e não sabemos o que vem pela frente. Eu ouvi histórias de quem fez o exame e muitos disseram que se deram mal, pois foi sorteado com um baiacu todo aberto. E quando fiz o teste, acho que só 2 de 10 pessoas receberam um peixe inteiro. E muitos se desesperam, reclamando com o examinador e foram eliminados. Já eu que treinei com um baiacu destruído, sabia de tudo mesmo antes de pegar a faca.

Eu: “Então foi uma sacanagem do chefe no bom sentido. Ele te treinou para a pior situação.

Ele: “Mas não é isso que os nossos pais fazem? Os pais não devem criar um mundo melhor para os filhos e sim filhos melhores para enfrentar o mundo. Então quando ele disse que um biólogo entenderia, imaginei o médico atendendo um paciente. Nem sempre vai atender alguém inteiro.”

Eu: “É verdade. Os japoneses têm uma forma peculiar de ensinar a gente, né? Soube dar valor ao meu pai, depois que ele se foi.

Ele: “Eu também. Às vezes lembro das coisas e volto a me irritar HAAHAHAHAHAHAH

Eu: “É porque ele está vivo dentro do senhor. Agora me conta, é verdade que depois cada aluno prepara um sashimi de baiacu e come, logo após o exame?”

Ele: “HAHAHHA não come. Mas na mesma noite, o chefe havia comprado um e me fez servir. Deu muito medo.”

Eu: “Se eu não tenho coragem de comer, imagina servir."

Ele: “Mas quer saber de uma coisa. Essa é a grande responsabilidade de um bom cozinheiro. Pode não ter veneno como um baiacu. Mas qualquer ingrediente com má conservação, mau preparado, pode comprometer todo seu serviço, sua história, seu emprego. Um cozinheiro é tão importante quanto um médico que receita um remédio. Afinal, ambos vão para dentro do seu corpo e provocam alguma reação.”

Eu: "Isso é muito importante. O meu trabalho é o mesmo e ainda tem teor alcoólico. Muitas vezes sofremos mais preconceito que quem produz. Que incentivamos o consumo do álcool. Estamos para orientar a melhor combinação entre a bebida e comida, mas também com o estado emocional."

Mas TAISHÔ, queria agradecer muito o nosso papo que foi de uma inestimável valor e espero poder reproduzir este papo em algum canal de comunicação no Brasil, claro não mencionando o senhor e o restaurante."

Foram 2 horas de conversa e aprendizado, inclusive ele me agradeceu por poder relembrar toda a sua história. Eu até estava sem graça por alugar o velho enquanto poderia estar descansando. Mas me fez voltar na noite seguinte e provar um baiacu.

Como eu adoro esses encontros sem planejamento. Gosto de ir ao Japão por causa disso. Sempre tem algo me esperando.



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