Dias antes do natal de 2018, veio na minha loja (física que não tenho mais), uma senhora japonesa com um simpático rosto de mangá, elegante, educada e com a voz mais baixa que o Selton Melo. Me pediu:
"Será que o senhor possui um sake da província de Yamaguchi?"
Oba, tinha 2 marcas. Ofereci o DASSAI e o GOKYÔ. Ela ficou pensativa e disse que era para o marido. Não consegui me manter no formal e já soltei:
"A senhora poderia ter trazido o maridão, né?"
Ela com cara de gol contra, concordou sorrindo. Disse que ele era nascido em Yamaguchi, perto da base americana. Que legal, ambas as marcas são de Iwakuni, onde fica a base dos EUA.
Disse também que o marido veio para o Brasil aos 16 anos fugindo da guerra. Iwakuni fica muito perto de Hiroshima. E nunca mais retornou ao Japão. Não por falta de oportunidade, mas foi deixando.
"E ele estava evitando de beber por muito tempo, mas como é natal, acho que um pouco ele poderia tomar. Disse que não lembrava muito a sua terra natal. Então, pensei em levar algo que fosse de lá."
E levou o YAMAGUCHI DENSETSU do Gokyô para curtir o natal. Muito fofo!
Dia 27/12 ela veio novamente e a recebi dizendo: "Cadê o maridão?"
Ela: "Vim buscar mais uma garrafa. Faz tempo que não via um rosto tão animado. Disse que estava em casa, que pôde conhecer algo de sua terra. Pediu para te agradecer." Eu: "Ele poderia ter vindo com a senhora, né?"
"Ele faleceu ontem.... já estava em fase terminal e os médicos liberaram para passar o último natal em casa. Ele queria beber e lamentou não ter voltado para Yamaguchi antes." E ela suspirou.
Fui até a estante, peguei a garrafa, coloquei na sacola e entreguei em suas mãos. Ela me deu o cartão. Recusei com a mão. Meus olhos estavam como um copo cheio de sake. Se balançar, derramava tudo. E um nó gigante ardia a minha garganta.
Ela fechou os olhos, derramou uma lágrima, agradeceu e foi embora.
Sentei no chão da loja e fiquei olhando a chuva molhando o asfalto...
O sake que ele tomou se traduz: "A Lenda de Yamaguchi"
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